Em tempos de Pix e cartão digital, muita gente pensa que o cheque morreu: a simples menção a ele provoca surpresa. Mas as estatísticas mostram que, embora longe da relevância do passado, o meio de pagamento sobrevive. No ano passado, foram quase 170 milhões de cheques compensados, de acordo com números da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).
Houve um tempo em receber um talão de cheques ao abrir uma conta corrente era tão comum quanto o recebimento de um cartão de débito nos dias atuais.
De modo indireto, a definição de cheque dada pelo Banco Central explica o motivo:
O cheque é uma ordem de pagamento à vista para aquele que o recebe, ou seja, representa o valor que deve ser pago no momento de apresentação ao banco.
Estamos falando de um documento que deve ser preenchido com o valor a ser pago, o nome do recebedor (pessoa física ou jurídica) e a data de compensação — a partir do dia indicado, o montante informado poderá ser retirado da conta do emissor do cheque.
Por muitos anos, essa foi a modalidade mais prática e viável para recebimento ou envio de dinheiro. Em vez de andar com um monte de dinheiro na bolsa ou carteira, bastava ter um talão de cheques para pagar compras ou enviar dinheiro a alguém.
Pudera: o cheque se tornou, sobretudo, uma forma de pagamento, tanto à vista quanto a prazo. Por funcionar como uma espécie de promessa de pagamento e estar ancorado na legislação (lei nº 7.357/1985), cheques sem fundo (que não podem ser descontados por ausência de dinheiro em conta) podem inclusive ser cobrados por vias judiciais.
Dá para dizer que os cheques tiveram o seu auge na década de 1990. Dados da Febraban mostram que, só em 1995, quando a economia brasileira passava por uma estabilização proporcionada pela implementação do Plano Real no ano anterior, mais de 3,3 bilhões de cheques foram compensados.
Eis então que tecnologias de transferências e pagamentos mais modernas começaram a roubar a cena.

Em 2015, quando os smartphones já dominavam a cena, 672 milhões de cheques circularam no país.
A queda livre continuou nos anos seguintes. Em 2021, ano em que os brasileiros incorporaram o Pix à sua rotina, quase 219 milhões de cheques foram compensados.
Parece o fim do cheque, certo? Só parece. 219 milhões de cheques em uma realidade em que a digitalização predomina é um número grande, muito grande.
POR QUE O CHEQUE RESISTE?
Não há uma razão única para o cheque ainda estar entre nós, mas um conjunto de fatores. Walter Faria, diretor adjunto de serviços da Febraban, explica que um deles é a falta de uma infraestrutura de telecomunicações robusta em determinadas regiões do Brasil que limita o acesso a serviços bancários mais modernos:
Em muitas localidades no interior do país, as pessoas não têm acesso tão facilitado à internet. É por esse motivo que o [uso do] Pix cresce bastante nas regiões metropolitanas, mas, nos interiores, principalmente na região norte e parte da região nordeste, como a internet não é de boa qualidade, a alternativa que se tem é utilizar o cheque.
É perceptível que, para transações de menor valor, o Pix se tornou o meio de transferência preferido dos brasileiros. Mas, para operações envolvendo somas consideráveis, o cheque ainda encontra espaço.
Sim, Pix, TED e outras modalidades mais modernas também podem ser utilizadas para transferência de altas somas. Mas Faria aponta que existe um aspecto cultural que faz do cheque um mecanismo aceito até hoje, principalmente em operações comerciais. Lembra do famoso cheque pré-datado? Ele ainda existe.
Mas há uma ressalva importante: Faria confirmou que o cheque é pouco usado por clientes jovens. O público com mais idade é, de longe, o que mais realiza operações com cheques, por um motivo um tanto óbvio: essa parte da população teve contato com a modalidade há bastante tempo e se acostumou a ela.
UM DIA O CHEQUE MORRE?
Se o uso de cheques cai ano a ano, é de se presumir que chegará o dia em que o Banco Central se movimentará para pôr fim à modalidade. Quando e como? É difícil prever.
Não é prudente impor uma tecnologia apenas por ela ser mais moderna. Se a indisponibilização de uma modalidade antiga trouxer transtornos, é sinal de que algo deu errado nessa transição. Em outras palavras, essa não pode ser uma decisão tomada sem estudos de base.
Como ficou claro, o cheque ainda é muito usado em localidades carentes de uma infraestrutura tecnológica confiável, tem utilidade para comerciantes ou profissionais que aceitam pagamentos com datas futuras (o já mencionado pré-datado), é aceito como garantia de pagamento (caução) e tem lá suas serventias para a movimentação de grandes quantidades de dinheiro.
Dependendo do ponto de vistas, esses cenários podem não fazer muito sentido. Talvez você diga, por exemplo, que o cartão de crédito pode ser usado facilmente como alternativa ao cheque pré-datado.
E é verdade. Mas ainda há empresários ou profissionais liberais que dão abertura ao cheque para não arcar com os custos de maquininhas de cartão, porque sabem que muitos de seus clientes preferem esse meio ou por se sentirem mais confortáveis em lidar com transações financeiras quando há um documento físico servindo como respaldo.
Isso significa que, a despeito de tanta tecnologia, o cheque continuará em uso por um bom tempo no Brasil. De todo modo, os bancos não têm pressa para aposentar a modalidade. Para eles, o que importa é que o dinheiro permaneça circulando.